PODCAST – Paulo Jatobá: ‘Nada acontece se Deus não quiser’, o atleta que transformou tragédia em inclusão

Rodrigo Lima

Aos 10 anos, um acidente mudou para sempre a vida de Paulo Jatobá, hoje atleta paralímpico e fundador do CAD (Clube Amigos dos Deficientes), em São José do Rio Preto. Em entrevista ao Podcast Diário do Rodrigo Lima, ele lembrou o dia em que um disparo acidental o deixou paraplégico. “Meu primo acidentalmente pegou a arma e disparou; era uma .22. Ela entrou no meu peitoral, passou milímetros do coração, perfurou o pulmão e ficou entre as vértebras T10 e a T11. O calor do projétil queimou o líquor e paralisou o membro inferior”, relatou.

Religioso, Jatobá resume o episódio com serenidade: “Nada acontece se Deus não quiser.” O que poderia ter sido o fim da infância, transformou-se no início de uma nova trajetória. “Meu sonho era ser jogador de futebol; sou de Santos. Mas Deus me proporcionou outra oportunidade de conhecer o mundo paralímpico”, disse.

Do mar de Santos ao calor de Rio Preto

O ex-nadador e jogador de basquete em cadeira de rodas chegou a São José do Rio Preto em 1997, sozinho. “São José do Rio Preto é uma cidade de oportunidade; me senti abraçado”, contou. Quando a antiga ARDEF encerrou as atividades, fundou o CAD, entidade que hoje se tornou referência nacional em esporte adaptado e inclusão social.

“Comecei com o basquete, depois vieram o atletismo, o ciclismo e a bocha”, explicou. Com o tempo, o projeto evoluiu para atender também pessoas que buscavam apenas atividade física, sem competir. “Muita gente queria fazer atividade, mas não queria ser atleta; começamos a olhar esse nicho.”

Inclusão e acolhimento

O CAD mantém uma academia climatizada, sala de pilates e fisioterapia, sustentada por parcerias com instituições locais. “O Instituto Unimed, através do Dr. Greg, nos ajudou a ter a academia que temos hoje”, disse.

Entre os projetos, Jatobá destaca a Inclusão Inversa, em que pessoas sem deficiência frequentam o espaço. “Quero que as pessoas de fora conheçam a entidade. Temos duas aulas por semana com 40 pessoas sem deficiência.” Outro programa, Cuidando de Quem Cuida, envolve os pais dos alunos. “Os pais também podem fazer atividade; aliás, devem”, afirmou.

Esporte profissional e resultados

O CAD tornou-se potência no basquete em cadeira de rodas. “Somos profissionais, treinamos todos os dias e os atletas são remunerados”, disse. O clube é tetracampeão brasileiro e campeão sul-americano de clubes. “Desde que montamos o CAD, nunca ficamos fora de uma semifinal.”

Os custos são altos. “Uma cadeira de basquete mediana custa cerca de R$ 14 mil; a top chega a R$ 30 mil; a internacional pode ir a R$ 70 mil ou R$ 80 mil”, explicou. Para custear o time, Jatobá recorre a projetos incentivados e apoios parlamentares.

Quadra modelo e reconhecimento público

A nova quadra do CAD é um dos orgulhos da entidade. “Antes era de cimento, toda aberta. Hoje temos uma quadra climatizada, de piso de madeira, apta para receber”, contou. A estrutura foi viabilizada com recursos do Comitê Brasileiro de Clubes Paralímpicos e emendas do vereador Bruno Moura e do deputado estadual Itamar Borges.

“Bruno enviou R$ 200 mil, Itamar mais R$ 150 mil e depois outros R$ 100 mil para climatizar a quadra”, detalhou.

Visão de mundo e cidadania

Jatobá também falou sobre respeito e limites no tratamento com pessoas com deficiência. “As pessoas com deficiência têm suas dificuldades; não dá pra colocar todos no mesmo balaio”, afirmou.

Sobre política, defendeu participação ativa. “Gosto da política partidária; temos que entender de política para saber o que está acontecendo.” Ele critica a corrupção e a compra de votos: “A corrupção é feita por quem é corrupto e por quem é corrompido. A partir do momento que você recebe um real para votar, você é corrupto.”

Ciente de que a mudança é lenta, completou: “Não vamos modificar em dez nem vinte anos; é preciso plantar sementinhas.”

Desafios de acessibilidade

Ao avaliar a cidade, reconheceu avanços, mas destacou carências: “Brigamos para que todos os ônibus sejam adaptados. Ainda há dificuldades: só uma vaga para cada cadeirante dentro de um ônibus.”

Com voz serena e convicta, o atleta encerrou com a mesma fé que guiou sua história: “A conquista principal é a vida. O que ela me proporcionou, nenhum título supera.”

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