VEJA VÍDEO – Empresários de Rio Preto fazem vaquinha para retorno de pessoas em situação de rua para suas cidades de origem

Rodrigo Lima

Um grupo de empresários da região central de São José do Rio Preto, desenvolve há mais de um ano um trabalho silencioso, mas de impacto social significativo: eles custeiam passagens rodoviárias para pessoas em situação de rua que desejam retornar para suas cidades de origem. A iniciativa, que já ajudou mais de 200 pessoas, é coordenada informalmente pelo comerciante Agnaldo Pedroni, figura conhecida entre os lojistas do Calçadão.

Em entrevista ao Diário do Rodrigo Lima, Pedroni detalha como surgiu a ação, revela histórias emocionantes e afirma que tudo é feito com recursos próprios dos comerciantes — sem apoio oficial do poder público. “Esse é um trabalho invisível que ninguém vê, mas que muda vidas”, afirma Pedroni.

“Quero voltar pra casa”
A rotina do centro comercial de Rio Preto frequentemente é interrompida por abordagens de pessoas em situação de rua pedindo dinheiro. Em muitos casos, segundo Agnaldo, os pedidos vêm acompanhados de um apelo: “quero voltar pra minha cidade”.

Foi a partir dessa demanda recorrente que o grupo decidiu agir. Ao invés de entregar dinheiro, os lojistas passaram a comprar passagens rodoviárias diretamente para essas pessoas, após checar a viabilidade.

“A maioria é de fora. A gente calcula que 90% das pessoas em situação de rua no centro são de outras cidades. Então a gente organiza uma vaquinha, compra a passagem e embarca a pessoa com dignidade. Tem casos em que levamos para tomar banho, se alimentar e trocar de roupa antes da viagem”, relata o comerciante.

De Maceió a Goiânia: histórias reais
O trabalho já financiou viagens para destinos distantes. Um dos episódios mais marcantes foi o de dois rapazes que dormiam no calçadão após serem abandonados em Rio Preto por uma pessoa que prometeu emprego. Eles queriam voltar para Maceió (AL), mas não tinham recursos. O custo da viagem: cerca de R$ 1.600.

“Fizemos uma vaquinha, conseguimos o dinheiro com os lojistas, acolhemos os dois na Casa do Cirineu, onde tomaram banho e se alimentaram. No domingo seguinte, embarcaram emocionados. Deram até entrevista em vídeo agradecendo”, contou.

Em outro caso, um homem confessou já ter cometido crimes e queria retornar a Goiânia para reencontrar as irmãs. Sem documentos, foi levado à delegacia, onde um boletim de ocorrência foi feito para permitir o embarque.

“Ele não tinha antecedentes criminais registrados. Fizemos tudo com cuidado, com respeito à vontade dele. O importante é dar a essas pessoas uma chance de recomeçar”, explica Agnaldo.

Trabalho em rede e confiança mútua
A comunicação entre os comerciantes ocorre via grupo de WhatsApp. Sempre que alguém se depara com uma pessoa pedindo ajuda para voltar para casa, a informação é repassada a Agnaldo. A partir daí, verifica-se o destino, o valor da passagem e se inicia a coleta dos recursos.

“É tudo muito transparente. Cada lojista contribui com o que pode. Um dá R$ 10, outro R$ 20. Quando conseguimos o valor, organizamos a saída. Muitas vezes, nós mesmos levamos a pessoa até o terminal rodoviário”, disse.

Embora não exista vínculo institucional com órgãos públicos, Agnaldo afirma que autoridades da cidade têm conhecimento da ação.

“Já conversei com representantes da segurança pública. Eles deixaram claro que não há problema, desde que ninguém esteja sendo coagido a viajar. E não está. Tudo é feito com consentimento”, enfatiza.

Política pública informal
A iniciativa dos empresários ainda não foi reconhecida oficialmente como política pública, mas tem efeitos práticos imediatos: reduz a presença de pessoas em situação de rua no centro da cidade e ajuda na reintegração de indivíduos às suas famílias.

“A gente está resolvendo dois problemas. Um é o da dignidade dessas pessoas. O outro é da cidade, que vive o desafio de lidar com o aumento da população em situação de rua”, pontua Pedroni.

A ausência de políticas públicas mais estruturadas para lidar com a crescente população em situação de vulnerabilidade tem levado iniciativas como essa a florescerem de forma espontânea — e, muitas vezes, silenciosa.

“É um trabalho feito por amor ao próximo. Não tem política, não tem publicidade. É de comerciante para ser humano”, finaliza.

O que diz a Defensoria Pública 

O defensor público Júlio Tanone afirmou que ‘a lei não proíbe doações feitas por particulares, mesmo que para tal finalidade, desde que não haja coações ou constrangimentos.’ ‘O ideal é que esse tipo de iniciativa, por melhores que sejam as intenções, venha em apoio e esteja conectada com a política de recâmbio de assistência social local e também do município de destino”, disse.

Tanone defendeu “um atendimento mais amplo e profissionalizado, deve incluir a confirmação de vínculo da pessoa em situação de rua e contato com familiares do município para onde se deseja encaminhar”.

“Caso contrário, além de problemas de ineficiência e sustentabilidade, o que não é desejável, já que os recursos são limitados, a ação correrá o risco de ser confundida com voluntarismo higienista”, afirmou o defensor público.

Resumo da iniciativa:

Objetivo: ajudar pessoas em situação de rua a retornarem para suas cidades de origem.

Quem realiza: grupo de lojistas do centro de São José do Rio Preto, coordenado por Agnaldo Pedroni.

Como funciona: comerciantes se mobilizam via WhatsApp, fazem vaquinhas e compram passagens.

Acolhimento: os beneficiários recebem banho, roupas limpas e alimentação antes de embarcar.

Números: mais de 200 pessoas já foram ajudadas; passagens já chegaram a custar até R$ 1.600.

Motivação: oferecer dignidade e diminuir o número de pessoas em situação de rua na cidade.

A história conduzida por Agnaldo e os comerciantes da área central de Rio Preto mostra que, mesmo diante da ausência de estrutura estatal, a solidariedade e a união ainda são capazes de transformar vidas — uma passagem por vez.

Deixe um comentário

Heróis da Água


Isso vai fechar em 0 segundos

Isso vai fechar em 10 segundos