Supervisor de ensino é condenado após perguntar se aluna de 15 anos lavava cabelo com sabão em pó em Rio Preto

Rodrigo Lima
Caso de injúria racial foi registrado em maio de 2023 em escola de Rio Preto, no bairro Eldorado/imagem – reprodução

A juíza da 3ª Vara Criminal de Rio Preto, Carolina Marchiori Bueno Cocenzo, condenou o supervisor de ensino B.T.S a pena de dois anos de reclusão, em regime aberto e multa pelo crime de injúria racial praticado contra uma estudante de 15 anos. O réu comentou se a adolescente utilizava sabão Omo ou Ypê para lavar os cabelos.

O caso foi registrado no dia 23 de maio de 2023, em uma escola no bairro Eldorado, durante uma visita realizada pelo então supervisor de ensino, que se aposentou após o episódio. Ele fez o comentário sobre o cabelo da aluna durante reunião para conhecer as integrantes do grêmio estudantil.

“O acusado, ao ver a aluna, passou a tecer comentário sobre seu cabelo, uma vez que a vítima possuía cabelo afro e estava todo arrumado, indagando se dava muito trabalho para arrumar. Instantes após, ingressou na sala a vítima K., que se identificou como Vice-diretora do Grêmio Estudantil. B., vendo as duas vítimas juntas, disse ‘é a
valorização do negro’. B, passou a tecer comentário sobre o cabelo da vítima K., que também tinha cabelo afro, e perguntou se ela utilizava sabão Omo ou Ypê para lavar os cabelos”, consta em trecho da sentença obtida pelo Diário do Rodrigo Lima.

Diante do questionamento, a vítima permaneceu calada. “Novamente, o acusado indagou se K. lavava seu cabelo com Omo ou Ypê, sendo que a vítima informou que utilizava shampoo comum. As vítimas ficaram constrangidas pelos dizeres de B., sendo que, após o término da reunião, relataram os fatos para funcionários da escola”, consta em trecho da decisão da magistrada.

De acordo com a sentença, professores da escola também foram informados da situação e uma das adolescentes pediu um abraço e caiu no choro. Durante a reunião das estudantes com o supervisor houve a participação de representantes da direção da escola.

A adolescente informou o ocorrido a sua mãe, que foi até a escola para se reunir com coordenadores e saber detalhes do que havia acontecido. A vítima foi orientada sobre as providências cabíveis, além do contato do disque racismo. O caso foi parar na diretoria de ensino no município e foi registrado um boletim de ocorrência.

Em depoimento no processo, a adolescente afirmou que durante a reunião com o réu, representantes da direção participaram do encontro e testemunharam as colocações de cunho racista proferidas pelo então supervisor.

“Informou que antes do início da reunião, somente na sua presença, na de C,, das diretoras L. e S., B. começou a fazer algumas piadas, tecendo comentários como: “que legal seu cabelo, dá muito trabalho pra lavar?”, ao que K. respondeu que não, que é tranquilo, é cabelo e que não dava trabalho. Logo em seguida, B. a indagou com qual produto ela lavava o cabelo, se era com: “sabão em pó, OMO ou Ypê?”, mas K. nada respondeu, alegando que ele
estava fazendo as perguntas em tom de piada, mas ninguém riu. Ele repetiu a pergunta, mas, novamente, ninguém riu. Não conhecia o acusado”, consta em outro trecho da decisão judicial.

Na decisão consta ainda que a mãe da adolescente foi até a escola e “perguntou sobre o que havia ocorrido sobre o deboche ao cabelo da filha K., sobre o tratamento que ela havia sofrido, que era uma menina, menor de idade, mulher e ter sido constrangida dentro da escola por um supervisor, bem como sobre o fato de que não haviam feito nada para ajudá-la.” Foi a partir desse questionamento que o caso foi parar na diretoria de ensino.

De acordo ainda com a sentença, a adolescente e a sua amiga foram até a diretoria de ensino e receberam um pedido de desculpas formas e a promessa da abertura de um processo administrativo contra o supervisor, que acabou se aposentando. Na ruenião no órgão de educação teve a participação de uma suspervisora das questões raciais e diversidade, além de um representamte da Ordem dos Advogados do Brasil.

A mãe da vítima afirmou o seguinte: “K. afirmou não ter visto B, na escola novamente. Em momento algum foi procurada por B. para qualquer tipo de explicação e ou retratação. Soube que o supervisor continuava trabalhando normalmente, apenas não trabalhava mais na escola de K. Ressaltou a dor emocional de ver sua filha sendo vítima de crime era imensa. K. demorou anos para gostar de seu cabelo e tal atitude abalou seriamente seu emocional.”

Segundo a magistrada, em juízo, o réu disse que estava assumindo a escola e como é de praxe quis acompanhar e conhecer os alunos do grêmio (estudantil). “Estava valorizando a participação das alunas negras no grêmio, foi um elogio, não crítica. Com relação a C., o cabelo era bonito e parecia molhado. Entendeu que dava trabalho e perguntou se tinha que acordar cedo. Não fez comentário jocoso. Com relação à outra vítima, também fez elogio. Fez afirmação dizendo que ela não usava Omo nem Ypê. Não é racista. Fez elogio. Valoriza a participação do negro na sociedade. Considera cabelo feio um cabelo mal cuidado, não lavado, o que não era o caso. Sempre teve interesse de se retratar”, afirmou o supervisor em sua defesa.

Para a juíza, no entanto, ficou comprovada a injúria racial. “O acusado fez comentários relativos aos cabelos das vítimas que não podem ser considerados elogios, mas sim ofensa em razão à raça negra. Ambas as vítimas são negras e possuem cabelos afro. Ao perguntar se dava trabalho para cuidar do cabelo, se tinha que levantar cedo e dizer se usa Omo ou Ypê para lavar o cabelo (seja de forma interrogativa ou afirmativa) configura discriminação e ofensa às vítimas”, escreveu ela na sentença.

A magistrada continua: “As vítimas confirmaram as ofensas sofridas e disseram que o réu usou tom vexatório. A testemunha S. presenciou os comentários feitos pelo réu, disse que as vítimas ficaram abaladas, choraram no dia. Além disso, disse que, quando o réu proferiu os comentários, todos que estavam na sala ficaram quietos. As vítimas permaneceram na sala porque os outros integrantes chegaram e houve a reunião. Contudo, após a reunião, a testemunha encontrou as vítimas chorando e as levou à coordenação. Embora a testemunha Lidiane afirme que o réu não teve tom jocoso, confirmou que ele perguntou à vítima se ela lavava o cabelo com OMO ou Ypê. Também confirmou que o réu perguntou à vítima C. se dava muito trabalho para cuidar do cabelo.”

A defesa do supervisor ingressou com recurso da decisão, proferida no mês passado, junto ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). O Ministério Público também recorreu com pedido de cumprimento de pena em regime semiaberto, além de pedir pena restritivas de direito e o sursis, além de condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10 mil para cada uma das vítimas.

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