Executivo com passagens por gigantes como Ambev, Estácio, Hospital Care, Suzano e Cirela, Rogério Melzi retorna às origens em São José do Rio Preto e fala sobre liderança, estratégia, cultura corporativa e os desafios de empreender no Brasil. Melzi fala com a precisão de quem comandou empresas com milhares de funcionários, já esteve nos conselhos de organizações bilionárias e cursou MBA na Stanford University, uma das mais prestigiadas do mundo.
Mas quando se senta no estúdio do Podcast Diário do Rodrigo Lima, o executivo “tira o terno” e veste a camisa de quem fala direto com o empreendedor brasileiro médio – aquele que luta contra juros altos, insegurança jurídica e uma cultura de baixa cooperação entre setores.
“Quem empreende no Brasil é herói. A volatilidade econômica, a instabilidade das leis e a dificuldade de planejamento de longo prazo criam um ambiente de negócios que exige resiliência e uma capacidade de adaptação que muitos países desenvolvidos não conhecem”, afirmou.
Melzi foi o convidado de um episódio especial do maior podcast jornalístico da região noroeste paulista – com mais de 98 mil inscritos no YouTube e 2 milhões de visualizações no Instagram apenas nos últimos 30 dias.
Mentalidade empresarial brasileira: “A maré está sempre contra”
Na análise do executivo, há uma diferença marcante entre a liderança no Brasil e em países como Estados Unidos e Europa. “Lá, você tem previsibilidade. Aqui, você pode ter uma ótima ideia e vê-la naufragar porque o câmbio disparou, a lei mudou ou o juro subiu. E aí, não adianta ser só bom gestor: tem que ser bom nadador.”
Para Melzi, a escassez de casos de empreendedores que se tornam grandes nomes no Brasil – mesmo com um número elevado de pessoas talentosas – revela um sistema que penaliza a inovação e a persistência. “O Brasil não tem menos cérebros, mas tem mais obstáculos.”
Crescimento rápido e a armadilha da falta de governança
A fala ganha um tom didático quando o assunto é o crescimento empresarial. Segundo Melzi, muitas empresas que crescem rápido demais não se estruturam internamente com a mesma velocidade. “É como construir um prédio sobre areia fofa. Você pode ter sucesso comercial, mas se não tiver gestão, governança e gente preparada do seu lado, os pratos vão cair.”
Ele aponta a formação de conselhos como uma ferramenta essencial para empresas que buscam sustentabilidade no crescimento. “Não precisa ser conselho de administração. Um conselho consultivo já traz outras visões e evita que o dono vire refém do próprio ego.”
Ego, estratégia e execução: o tripé do fracasso
Provocado a apontar o principal fator que mata empresas no Brasil, Melzi é taxativo: “É uma combinação de falta de estratégia, coragem para assumir decisões e ego inflado.” Para ele, o mais difícil não é montar um plano estratégico. “O Brasil está cheio de PowerPoint bonito. O difícil é colocar a estratégia de pé, dia após dia, por uma década. Isso exige disciplina e humildade.”
Sucessão: o filho pode herdar, mas só lidera se estiver preparado
Em um país com forte presença de empresas familiares, Melzi defende regras claras e planejamento antecipado para sucessões. “Ser herdeiro não é ser sucessor. E tem muita família que só descobre isso quando já está em crise.”
Ele sugere que famílias empresárias estabeleçam critérios objetivos para filhos que desejam trabalhar na empresa: “Passar por experiências externas, estudar em boas universidades, ter um MBA. O nome de família não pode ser atalho para incompetência.”
Inovação, tecnologia e humildade intergeracional
Aos 50 e poucos anos, Melzi não se vê como ‘dinossauro’, mas reconhece a necessidade constante de atualização. Por isso, participa ativamente de conselhos em startups de tecnologia. “Não quero me tornar jurássico antes da hora”, brinca. “O jovem tem energia e conhecimento digital, mas precisa da sabedoria de quem já viveu. E o veterano precisa ouvir mais e deixar de lado a soberba.”
A palavra que ele repete como mantra? Humildade. “É o traço comum dos grandes líderes. Saber ouvir, saber recuar, saber aprender.”
Governança: o fio do bigode não basta
Outro ponto de destaque foi a defesa enfática da governança empresarial como instrumento de transparência, equilíbrio e longevidade nos negócios. “Governança não é frescura. É colocar no papel as regras do jogo entre sócios e dentro da empresa. Quem decide o quê, até onde vai a autonomia de cada um. Não é para a hora da guerra. É para ser feita na paz.”
Segundo Melzi, a governança bem-feita liberta o fundador da pressão de centralizar tudo, permite sucessões saudáveis e protege o patrimônio familiar.
Cooperação entre setores e o erro cultural brasileiro
Ao analisar o distanciamento entre setores econômicos no Brasil – como universidades e empresas, ou saúde e tecnologia -, Melzi aponta uma falha cultural: “Nos EUA, as grandes universidades estão cheias de empresas dentro delas. Aqui, parece que é cada um por si. Falta a cultura do benchmarking, de aprender com quem está fazendo melhor. Isso seria revolucionário.”
Brasil ainda é terreno fértil?
Apesar das críticas, Melzi não é pessimista. Pelo contrário: defende que o Brasil ainda é terreno fértil para novos negócios, desde que o empreendedor entenda que o sucesso aqui exige mais suor. “Atrás de cada problema, há uma oportunidade. Mas é preciso estômago. Não vai ser fácil. E se for fácil, foi sorte.”
Como se tornar um líder melhor amanhã?
Aos jovens executivos, Melzi deixa uma orientação prática: “Busque inspiração. Observe quem faz bem e quem faz mal. Você aprende com os dois. A construção de uma carreira é de longo prazo. Não se apresse. Cresça observando e se permitindo errar e corrigir. O copo no início da carreira está vazio — encha ele com sabedoria, não com pressa.”
