O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), uma das legislações mais emblemáticas da história recente do Brasil, completou 35 anos neste 13 de julho de 2025. Criado pela Lei 8.069/1990, o ECA instituiu um novo paradigma para a proteção integral de crianças e adolescentes, garantindo direitos fundamentais como vida, saúde, educação, lazer, cultura e convivência familiar. Para marcar a data, o Podcast Diário do Rodrigo Lima promoveu um episódio especial com dois conselheiros tutelares de São José do Rio Preto: Janaina Albuquerque e Bruno Aragon.
Ambos figuram entre os mais atuantes da cidade e trouxeram ao debate não apenas suas experiências cotidianas, mas também uma leitura crítica sobre a efetividade do ECA, os desafios enfrentados pelas redes de proteção e a urgência em se ampliar o número de conselhos tutelares na cidade.
O ECA representou uma verdadeira mudança de paradigma na forma como o Brasil trata suas crianças e adolescentes. Influenciado por convenções internacionais, especialmente a Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU (1989), o Estatuto instituiu como dever de todos — família, sociedade, comunidade e poder público — garantir o pleno desenvolvimento de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos.
Uma das principais inovações trazidas pelo ECA foi a criação dos Conselhos Tutelares — órgãos autônomos, permanentes e não jurisdicionais responsáveis por zelar pelo cumprimento desses direitos. Atualmente, o Brasil conta com mais de 6.100 conselhos distribuídos pelos 5.500 municípios. A recomendação do Conanda é de um conselho para cada 100 mil habitantes.
Em Rio Preto, avanço com defasagem
Atualmente, São José do Rio Preto possui dois Conselhos Tutelares, com cinco conselheiros cada, operando nas regiões norte e sul da cidade. A partir de 2026, conforme anúncio recente do prefeito Coronel Fábio Cândido, a cidade passará a contar com quatro unidades — ainda aquém do ideal, segundo os conselheiros.
“Foi uma luta antiga. A criação de mais dois conselhos é um acerto político, mas também uma vitória da pressão exercida pelos conselheiros e pela rede de proteção”, destaca Bruno Aragon. Segundo ele, Rio Preto ainda não cumpre a recomendação do Conanda e está entre as cinco piores cidades do Estado em relação à proporção de conselheiros por habitantes.
A territorialização e o novo mapa da proteção
Hoje, a divisão dos conselhos é feita a partir de uma linha imaginária cortando a Avenida Bady Bassitt. A zona sul, por exemplo, abrange bairros com alta vulnerabilidade social, como Vila Toninho, Solidariedade, João Paulo II e Talhado. Com a ampliação do número de conselhos, será necessário repensar a divisão territorial para equilibrar o número de casos por unidade.
“Hoje o Conselho Sul abrange uma área imensa. Com quatro conselhos, vamos precisar discutir com o poder público uma nova divisão, com base não apenas em território, mas em densidade de casos e vulnerabilidades”, explica Aragon.
Política pública e prevenção
Para Janaina Albuquerque, os problemas enfrentados pelas crianças e adolescentes vão além de questões de renda: envolvem também ausência de políticas públicas de qualidade, falta de acesso à informação e negligência institucional. Ela enfatiza a importância de tratar o Conselho como investimento, e não como gasto.
“É preciso mostrar o custo-benefício da atuação do Conselho. Investir na proteção das crianças evita desastres maiores no futuro. Se a gente tivesse uma rede mais integrada e uma atuação mais preventiva, o impacto social seria muito menor”, defende.
Ambos os conselheiros destacaram a proposta de criação de uma “Casa dos Conselhos” como um centro de proteção à infância, reunindo em um só lugar o trabalho do Conselho Tutelar com profissionais da saúde e assistência social. “Seria um verdadeiro Poupatempo da infância. A pessoa recebe a orientação, é encaminhada e já tem atendimento ali mesmo”, sugere Aragon.
O desafio da autoridade e da desburocratização
Apesar de ser um órgão com poderes legais, o Conselho Tutelar muitas vezes ainda é ignorado por outros setores da rede pública. “Uma requisição assinada pelo colegiado tem o mesmo peso de um juiz, mas ainda não é respeitada em muitos casos”, afirma Bruno.
Para ele, há confusão sobre o papel do conselho. “Não somos parte do Executivo. Nosso papel é fiscalizar, inclusive escolas públicas e entidades do terceiro setor. Deveríamos atuar mais preventivamente, dar palestras, fazer orientações. Mas muitas vezes somos tratados como ‘homem do saco’, como ameaça”, critica.
Janaina concorda. “Nosso trabalho não é punir, é proteger. Não precisamos esperar um crime acontecer para agir. Quando há denúncia de abandono, abuso ou negligência, a gente não quer prender ninguém, a gente quer proteger a criança.”
Denúncias e canais de atendimento
O Conselho Tutelar de São José do Rio Preto funciona 24 horas por dia. Casos graves, como flagrante de abuso ou negligência com risco imediato à criança, podem ser denunciados a qualquer momento.
As principais formas de denunciar são:
Disque 100 (anônimo e nacional);
Telefones dos Conselhos Tutelares de Rio Preto;
E-mails:
conselhotutelarsul@riopreto.sp.gov.br
conselhotutelarnorte@riopreto.sp.gov.br
Além disso, os conselheiros ressaltam o papel essencial da comunidade. “Vizinho é a primeira linha de proteção. Conhece a rotina da criança, sabe quando algo está errado”, pontua Janaina.
Conselho é política, sim — e precisa ser valorizado
Bruno Aragon afirma que a atuação política é parte do trabalho dos conselheiros. “Se somos eleitos pelo povo, somos agentes políticos. Temos o dever de representar os interesses das crianças e adolescentes. Isso exige diálogo com o poder público, com a Câmara, com o Judiciário.”
A última eleição dos conselheiros, realizada nacionalmente em 2023, foi a primeira com calendário unificado no Brasil. Para Janaina, isso ajudou a politizar o debate. “As pessoas começaram a entender que o conselheiro não é só um servidor, é alguém que atua na linha de frente da proteção.”
Lei 14.811 e os novos desafios
Entre os avanços recentes na legislação está a Lei 14.811/2024, que alterou o ECA para incluir o cyberbullying e outras formas de violência digital como crimes hediondos. A nova legislação é uma resposta às ameaças trazidas pelo avanço da tecnologia e das redes sociais.
“A gente precisa adaptar nossa atuação. O adolescente hoje vive em um mundo digital. As agressões, o assédio e o bullying migraram para as telas. Precisamos discutir isso com urgência na rede de proteção”, alerta Aragon.
Um chamado à sociedade
Ao completar 35 anos, o ECA segue sendo um instrumento poderoso de transformação social. Mas, como destacaram os conselheiros, seu pleno cumprimento depende do esforço conjunto entre Estado e sociedade.
“O ECA não é um produto fechado. Ele precisa ser construído com participação social. A criança e o adolescente não podem ser pauta só no Dia das Crianças ou nos aniversários do ECA. Precisam ser prioridade o ano todo”, conclui Janaina.
📌 Serviço
Conselho Tutelar Norte
Email: conselhotutelarnorte@riopreto.sp.gov.br
Conselho Tutelar Sul
Email: conselhotutelarsul@riopreto.sp.gov.br
Denúncias anônimas
Ligue Disque 100 (Ministério dos Direitos Humanos)
