PODCAST – Do enfrentamento ao PCC ao combate à violência doméstica: trajetória do promotor João Santa Terra Júnior em Rio Preto

Rodrigo Lima

“Na Área 17 não dava para crescer.” A frase, registrada em interceptações de 2012, é lembrada pelo promotor de Justiça João Santa Terra Júnior, que passou dez anos no enfrentamento direto ao Primeiro Comando da Capital (PCC) em São José do Rio Preto e região. À época, a facção havia determinado um “salve” – ordem geral – para execução de policiais militares. Segundo o promotor, a atuação coordenada do Ministério Público e das forças policiais fez com que o grupo reconhecesse a impossibilidade de expandir sua atuação no território, apelidado internamente com o mesmo número do DDD local.

““Em 2012, quando houve ataques graves contra policiais, conseguimos interceptar conversas que mostravam que, aqui, era impossível cumprir o ‘salve’ para matar policiais”, afirmou o promotor. “Foram dez anos combatendo o crime organizado, especialmente o PCC. Não lembro a quantidade de ações, mas foram muitas”, disse. “Na Área 17, o PCC não conseguia crescer. O embate aqui sempre foi intenso e continua com os colegas que me sucederam.”

Em entrevista ao Podcast Diário do Rodrigo Lima, Santa Terra Júnior sustentou que o crime organizado alterou sua estratégia nos últimos anos. Se antes a lógica era a do confronto explícito, hoje a facção busca infiltração silenciosa em cadeias econômicas e no sistema financeiro digital, aproveitando brechas tecnológicas e regulatórias. “A criminalidade segue o incentivo econômico”, afirmou, destacando que a entrada em setores como combustíveis e logística permite adulteração de produtos, preços artificialmente baixos e sonegação, em prejuízo direto para empresas regulares e consumidores.

O promotor defende que o combate avance do modelo apenas repressivo para um formato preventivo, com integração entre Estado e iniciativa privada. No Conselho Nacional do Ministério Público, apresentou proposta para fluxos mais ágeis de informação entre Ministério Público, polícias e agentes econômicos, com o objetivo de identificar vulnerabilidades e fechar portas usadas pela criminalidade. Para ele, a aplicação da chamada “cegueira deliberada” – responsabilização de quem ignora sinais claros de ilicitude – deve ser expandida.

A ausência de um marco legal nacional para a atividade de inteligência é vista como obstáculo central. Santa Terra Júnior lembrou que a Constituição não faz menção ao tema e que o Brasil ainda carrega a herança de desconfiança com órgãos de informação, usados em períodos autoritários. “A inteligência no Brasil é escanteada. A Constituição não menciona o tema nenhuma vez.”

O promotor também citou sua atuação contra a violência doméstica em São José do Rio Preto. Durante anos, conduziu campanhas de conscientização e ajuizou medidas protetivas em série, reforçando a aplicação da Lei Maria da Penha na comarca. Segundo ele, o enfrentamento ao crime organizado e à violência contra mulheres fazem parte de uma mesma lógica institucional: garantir a integridade de pessoas vulneráveis diante de forças que tentam subjugar direitos básicos. “É papel do Ministério Público agir tanto contra facções quanto na defesa da mulher ameaçada dentro de casa”, disse.

Na comparação internacional, mencionou a máfia italiana e o assassinato do promotor Giovanni Falcone como exemplos de violência simbólica que desafiaram o Estado. No Brasil, avalia que a resposta firme às tentativas de intimidação de autoridades demonstra que o custo-benefício de tais ataques é desvantajoso para o crime. A distinção entre papéis institucionais também foi reforçada: advogados que atuam em favor da facção, afirmou, não devem ser tratados como profissionais da advocacia, mas como criminosos.

Para Santa Terra Júnior, extinguir o PCC é improvável, mas reduzir sua escala e lucratividade é viável. O caminho, sustenta, é ampliar a investigação financeira, congelar ativos rapidamente, fortalecer compliance em setores vulneráveis e consolidar parcerias de inteligência. “Prender depois é necessário; impedir antes é decisivo”, concluiu.

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