Dálice Ceron, delegada da Polícia Civil de São José do Rio Preto, referência em defesa de mulheres, crianças e idosos, anunciou sua aposentadoria após 33 anos de serviço. A decisão foi comunicada em entrevista ao Podcast Diário do Rodrigo Lima, marcada por relatos emocionantes de sua trajetória, reflexões sobre os desafios enfrentados e alertas sobre os crescentes casos de violência doméstica e contra pessoas idosas.
“Eu amo a minha profissão, mas chega um momento em que a gente precisa tomar outro rumo”, afirmou Dálice. A saída oficial está prevista para os próximos dias, com a publicação da aposentadoria no Diário Oficial.
Legado na DDM e na Delegacia do Idoso
Ao longo de sua carreira, Dálice passou pela Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) e, nos últimos anos, acumulou também a chefia da Delegacia de Proteção ao Idoso. O volume de casos, segundo ela, cresceu consideravelmente, tanto de violência doméstica quanto de crimes contra idosos.
Na delegacia especializada, Dálice lidou com episódios recorrentes de maus-tratos, abandono e violência patrimonial contra pessoas idosas, geralmente cometidos por familiares próximos. “Recebemos 166 denúncias só neste ano. A maioria relacionada ao abandono e à apropriação do dinheiro do idoso”, contou.
Ela afirma que muitos idosos são relegados a cômodos isolados, sem condições mínimas de higiene, alimentação e cuidados médicos. “Eles passam a ser um peso para filhos e filhas, especialmente quando formam novas famílias.”
Violência contra mulheres e jovens cresce
Na atuação junto à DDM, Dálice observa que o perfil das vítimas tem se tornado cada vez mais jovem. “Hoje vemos meninas de 18, 19, 21 anos em relacionamentos abusivos. Muitas acham que vão mudar o parceiro depois do casamento, mas ninguém muda ninguém”, alertou.
Segundo a delegada, os principais registros são ameaças — que superam, inclusive, os casos de agressão física — seguidas por lesão corporal e violência psicológica. “A violência começa no xingamento, na ameaça. Depois, escala para a agressão física e, em alguns casos, termina em feminicídio.”
Dálice ressalta que as medidas protetivas são essenciais e capazes de salvar vidas. “Elas servem como uma liminar, impedindo o agressor de se aproximar da vítima. Mas muitas mulheres, por dependência financeira ou emocional, acabam não procurando ajuda.”
Cultura machista e dependência emocional
Para a delegada, o machismo estrutural e a dependência emocional continuam sendo fatores decisivos para a manutenção de ciclos de violência. “É como um vício. Ela sabe que aquele homem vai destruí-la, mas não consegue sair daquela relação doentia”, descreveu.
Ela também critica a transmissão cultural de valores que estimulam a submissão feminina. “Ainda há mães que ensinam suas filhas que o destino de uma mulher é o casamento. E muitas têm vergonha de serem solteiras.”
Casos que marcaram a carreira
Dálice relembrou casos que deixaram marcas profundas em sua trajetória. Um deles foi o assassinato de uma criança de 1 ano e 4 meses pela própria mãe, que apresentava traços de psicopatia. “Ela não admitia o crime e tentava convencer todos do contrário. Foi um dos momentos mais difíceis da minha carreira”, revelou, emocionada.
Outro episódio envolveu um estuprador serial que atuou em Rio Preto e que só foi identificado graças ao cruzamento de dados genéticos feito pelo Banco Nacional de Material Genético, em São Paulo. O criminoso tinha antecedentes por estupro de crianças no Espírito Santo e no Pará e circulava com identidade falsa. Foi preso após investigações da equipe da delegacia local.
Rede de proteção e atuação integrada
Dálice destacou a importância da rede de proteção que se consolidou nos últimos anos, reunindo Polícia Civil, Guarda Civil Municipal (com a Patrulha Maria da Penha), Polícia Militar (Cabine Lilás), Ministério Público, Poder Judiciário e a Secretaria da Mulher. “Hoje, essa rede dá uma resposta muito mais rápida e eficaz às vítimas. É um trabalho conjunto que salva vidas.”
Aposentadoria, mas não despedida
Apesar da aposentadoria, Dálice deixa claro que sua missão na defesa dos direitos das mulheres, das crianças e dos idosos não termina. “Agora é um novo ciclo. Eu vou descansar, mas sigo à disposição da sociedade”, disse.
A delegada encerra sua trajetória na Polícia Civil carregando, segundo ela, “um misto de dever cumprido e a certeza de que ainda há muito a ser feito para combater a violência que destrói famílias, especialmente entre os mais vulneráveis”.