Delegado usa IA para indiciar Marcondes por injúria e defesa critica decisão

Rodrigo Lima
Delegacia Seccional de Rio Preto: vice-prefeito é indiciado por injúria racial após confusão em jogo do Campeonato Paulista/imagem Rodrigo Lima/arquivo

A Polícia Civil indiciou o vice-prefeito de São José do Rio Preto, Fábio Marcondes, por injúria racial, após episódio ocorrido em 23 de fevereiro de 2025, durante partida entre Mirassol e Palmeiras no Estádio Municipal José Maria de Campos Maia, em Mirassol. O indiciamento foi formalizado pelo delegado Renato Gomes Camacho, conforme despacho de 30 de julho de 2025, com base em inquérito policial insuarado para apurar o caso.

Segundo o boletim de ocorrência registrado em Mirassol, o segurança do Palmeiras, Adilson Antônio de Oliveira, afirmou ter sido ofendido verbalmente pelo vice-prefeito após solicitar que o filho de Marcondes se afastasse da área de acesso ao ônibus da equipe paulista. A vítima relatou que ouviu as expressões “vai tomar no c, seu macaco”* e “lixo”, sentindo-se constrangida e humilhada.

O inquérito reuniu depoimentos de testemunhas, imagens em vídeo e laudos periciais. Relatos de jornalistas e membros da delegação do Palmeiras indicaram que ouviram Marcondes chamar a vítima de “macaco velho”, embora alguns só tenham percebido o teor das palavras após a análise das imagens. Em meio à confusão, outros presentes gritaram “Racismo não!”, conforme registrado no vídeo analisado.

Laudos do Instituto de Criminalística concluíram que a expressão teria sido “paca, véa”, mas uma análise complementar com ferramentas de inteligência artificial do Centro de Inteligência Policial (CIP) transcreveu o áudio identificando o termo “macaco velho”. A IA também gerou imagens ilustrando uma discussão acalorada com conotação racista.

Depoimentos colhidos apontaram versões divergentes. O filho de Marcondes afirmou que foi empurrado e destratado por um segurança, e que seu pai apenas reagiu em defesa. Já outros torcedores e jornalistas relataram não ter ouvido ofensas raciais diretamente, mas confirmaram gritos de “racismo não” no local.

O despacho de indiciamento cita o artigo 2º-A da Lei 7.716/1989, que trata de crimes resultantes de discriminação racial, e destaca que os elementos reunidos no inquérito são suficientes para atribuir a condição de indiciado ao vice-prefeito. O caso segue em investigação e deverá ser analisado pelo Ministério Público, que decidirá sobre eventual denúncia ou se arquiva o caso.

O que diz a defesa:

”A defesa de Fábio Ferreira Dias Marcondes manifesta-se com extrema preocupação diante do recente indiciamento promovido pela autoridade policial, que se ampara exclusivamente em relatório produzido por ferramentas de inteligência artificial externas (Gemini e Perplexity), não homologadas como meio pericial, elaborado no mesmo dia de sua própria requisição, assim como o relatório que levou ao indiciamento.

Importa destacar que foi o próprio delegado de polícia quem, por duas vezes, requisitou perícia oficial ao Instituto de Criminalística, apresentando quesitos técnicos detalhados. Ambas as perícias oficiais, elaboradas por órgão imparcial e tecnicamente habilitado, concluíram de forma categórica que a palavra “macaco” não foi pronunciada pelo investigado. Como tais conclusões não atenderam à convicção pessoal do delegado, optou-se por substituir a análise oficial por um relatório de inteligência artificial não validada, prática que causa perplexidade e preocupa quanto ao respeito ao devido processo legal.

O uso de soluções automatizadas para formar juízo sobre fatos gravíssimos — sem validação técnica oficial, sem controle de parâmetros e sem contraditório — traz à memória a recente notícia de que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) abriu procedimento para investigar um magistrado que utilizou uma tese inventada pelo ChatGPT em decisão judicial (Conjur, 12/11/2023). Se a utilização de inteligência artificial não verificada preocupa quando adotada por magistrados, com ainda mais razão causa estranhamento quando serve de fundamento para imputação criminal de injúria racial.

Desde o início da investigação, ficou evidente que a narrativa original da suposta vítima sofreu alterações significativas ao longo do tempo: o Boletim de Ocorrência registrava uma expressão diversa daquela posteriormente atribuída ao investigado, enquanto testemunhas ligadas à própria vítima passaram a mencionar outro termo apenas após a ampla divulgação de um vídeo com legendas sugestivas. Essa inconsistência foi confirmada pela colheita de depoimentos: nenhuma das 11 testemunhas presenciais e imparciais — incluindo policiais militares, profissionais de imprensa e testemunhas independentes — confirmou a existência de ofensa de cunho racial.

A defesa reafirma que Fábio Marcondes já prestou todos os esclarecimentos necessários e nega categoricamente ter proferido qualquer expressão de cunho racial. O ato de indiciamento, assim fundamentado, suscita séria preocupação quanto ao respeito ao devido processo legal e à necessária imparcialidade que deve orientar qualquer persecução penal.

A legalidade, a técnica e o devido processo legal não são opções: são obrigações.”

A nota é assinada pelo advogado Edlênio Xavier Barreto

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