
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) voltou a ocupar a Avenida Paulista, em São Paulo, para mais uma ofensiva política pela anistia dos condenados pelos ataques às sedes dos Três Poderes, no 8 de Janeiro. O prefeito de Rio Preto, Coronel Fábio Candido, o deputado estadual Danilo Campetti (Republicanos), a prefeita de Potirendaba, Gislaine Franzotti (PL), entre outros participaram do evento. O ato reuniu cerca de 44,8 mil pessoas, segundo levantamento do Monitor do Debate Público no Meio Digital, da USP, que analisou imagens aéreas da manifestação durante seu pico — justamente enquanto Bolsonaro discursava, às 15h44. O evento foi realizado neste domingo, 6.
Os números, desta vez, ficaram distantes das maiores mobilizações pró-Bolsonaro. Para efeito de comparação: em fevereiro do ano passado, também na Paulista e com o mesmo mote de defesa dos presos do 8 de Janeiro, a estimativa da USP foi de 185 mil presentes. Na época, a Polícia Militar falava em 600 mil, mas neste ano, tanto a PM quanto a Secretaria de Segurança Pública optaram por não divulgar estimativas oficiais.
Na prática, o silêncio das autoridades locais sobre o público soma-se à cautela da própria organização do ato. Após o esvaziamento em Copacabana, no mês passado — quando eram esperadas até 1 milhão de pessoas e o público ficou em torno de 18,3 mil —, aliados de Bolsonaro evitaram cravar expectativas para a Paulista. Mesmo entre os bastidores do PL e dos organizadores, havia o reconhecimento de que o clima não era mais o mesmo.
A presença na Paulista, no entanto, mantém a aposta do ex-presidente na mobilização popular como instrumento de pressão, sobretudo sobre o Congresso. Bolsonaro sabe que, sem respaldo das ruas, as chances de aprovar um projeto de anistia aos condenados pelo 8 de Janeiro diminuem. O próprio levantamento do Placar da Anistia, do jornal Estadão, mostra que, até aqui, pouco mais de um terço dos 513 deputados apoia a proposta.
A estratégia de Bolsonaro, que virou réu por tentativa de golpe há cerca de duas semanas, é politicamente calculada: ele personifica a defesa dos manifestantes como se falasse não por si, mas por “velhinhas com bíblia na mão”, como disse, e “pessoas humildes”, que seguem presas. Mas nos bastidores, aliados reconhecem que o perdão político também é visto como uma proteção pessoal para o próprio ex-presidente.
No discurso, que durou cerca de 25 minutos, Bolsonaro fez um apelo direto por anistia e citou Débora Rodrigues dos Santos, a mulher que pichou com batom a estátua da Justiça no Supremo, com a frase “perdeu, mané”. O caso se tornou emblemático no campo bolsonarista — até por ter rendido uma proposta de pena de 14 anos, segundo pedido do ministro Alexandre de Moraes. Débora está em prisão domiciliar desde o mês passado.
Ainda assim, a estratégia enfrenta resistência na sociedade. Segundo pesquisa Genial/Quaest divulgada neste domingo, a maioria dos brasileiros (56%) prefere que os envolvidos nos ataques continuem presos. Apenas 34% defendem a soltura. Em relação a Bolsonaro, a percepção é parecida: 52% consideram justa a decisão do Supremo de torná-lo réu; 36% a veem como injusta.
No asfalto da Paulista, o clima era de festa, apesar da queda nas multidões. O tom dos discursos foi de exaltação: políticos aliados de Bolsonaro repetiram à exaustão a frase “não houve golpe”, enquanto paródias sertanejas e músicas no ritmo de pancadão embalaram o evento. Mas a pesquisa Genial/Quaest revela um dado que contrasta com o discurso oficial: apenas 1% dos entrevistados disse acreditar que não houve tentativa de golpe.
O ato deste domingo também marca uma sequência de atos menores em comparação aos grandes eventos bolsonaristas dos anos anteriores. A evolução do público em manifestações recentes confirma a tendência de queda:
Fevereiro de 2024 (São Paulo) — 185 mil
Setembro de 2024 (São Paulo) — 45 mil
Março de 2025 (Rio de Janeiro) — 18,3 mil
Abril de 2025 (São Paulo) — 44,8 mil
O próprio relatório da USP detalha como foi feita a contagem: por meio de um software que identifica as cabeças das pessoas nas imagens captadas por drone. Foram tiradas 47 imagens em três horários (14h05, 14h42 e 15h44), e a contagem foi feita com base em nove fotos tiradas no momento de maior concentração, às 15h44.
Nos bastidores, aliados de Bolsonaro reconhecem que a dificuldade em atrair grandes públicos pressiona não só o projeto de anistia, mas o fôlego político do próprio ex-presidente. Sem mandato e com a imagem desgastada por investigações, Bolsonaro aposta na narrativa de perseguição para manter sua base mobilizada e, sobretudo, para manter relevância eleitoral, de olho nas eleições municipais deste ano e na possibilidade de pavimentar alianças para 2026.
Apesar da tentativa de reedição dos grandes atos da era da presidência, a Paulista deste domingo mostrou um cenário mais contido. Nem a trilha sonora de hits adaptados, nem o discurso afinado entre os aliados conseguiram esconder a realidade dos números — e dos desafios políticos que Bolsonaro ainda enfrenta.
