PODCAST – Troca de gansos a pinschers: casos pitorescos que desafiam o PROCON de Rio Preto; 35 anos do CDC

Rodrigo Lima

Ao completar 35 anos nesta semana, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) encontra em São José do Rio Preto um PROCON em ritmo de rua, que prefere resolver conflitos no balcão — ou diretamente nos estabelecimentos – a empurrá-los para a Justiça. Em entrevista ao podcast Diário do Rodrigo Lima, o diretor do órgão, Fernando Papa, e o fiscal Zaqueu dos Santos descrevem uma guinada de enfoque: mais informação, visitas in loco e mediações rápidas. O resultado, segundo eles, aparece nos indicadores: cerca de 75% dos casos são solucionados já na fase preliminar (CIP) e mais de 50% chegam a acordo nas audiências de conciliação.

O aniversário do CDC, sancionado em 1990, serve como gancho para um balanço local. Papa recupera a trajetória internacional de proteção ao consumidor e destaca que a lei brasileira “envelheceu bem” – atualizada por normas como a do superendividamento – porque parte de um princípio que a dupla repete ao longo da conversa: harmonia na relação de consumo, com boa-fé dos dois lados. É sob essa ótica que o PROCON orienta, por exemplo, casos de divergência de preço: se o valor na gôndola é plausível, deve prevalecer; se for erro grotesco (como promoção impossível), não há “direito de levar vantagem”.

A operação cotidiana confirma que a demanda é robusta. O atendimento por WhatsApp, relata a gestão, chega a 180 contatos diários, além de cerca de 50 presenciais por dia, com picos mensais acima de 300 atendimentos presenciais. Telecomunicações e serviços financeiros – especialmente empréstimos consignados celebrados por correspondentes que empurram contratos digitais a idosos, concentram as queixas. Houve ainda um “boom” de reclamações sobre descontos compulsórios de contribuições sindicais em benefícios de aposentados; segundo o órgão, a prática foi estancada após intervenção do poder público.

A estratégia atual começa antes da sanção. O município passou a investir em cartilhas setoriais e ações educativas. O setor de garagens e revendas de veículos, considerado complexo, recebeu guia específico sobre garantia, troca e vícios ocultos. Há materiais para mulheres e idosos e um mascote didático (“Proconzinho”) para apresentar os 10 direitos básicos. O órgão prepara também a primeira biblioteca do PROCON local, com apoio de docentes, para consulta de estudantes e do público geral — um gesto coerente com outra regra lembrada por Zaqueu: o CDC precisa estar disponível ao consumidor em todo estabelecimento comercial; o descumprimento é passível de multa.

O discurso da “presença” aparece em exemplos de campo. Diante de uma cadeira de rodas elétrica que não atendia uma idosa de 70 anos, a equipe relata ter ido à loja no mesmo dia para exigir solução. Em outro caso, uma máquina de lavar parada há semanas foi trocada após intervenção direta. Há episódios pitorescos que testam o tato dos fiscais: o consumidor que tentou devolver um pinscher sete meses depois porque “cresceu demais”; o dono de um casal de gansos preocupado com o comportamento dos animais; e até quem quis trocar o “azulzinho” por “não funcionar”. Em todos, o órgão diz priorizar confidencialidade, linguagem simples e evitar constrangimentos – sem abrir mão de autuar quando identifica má-fé de fornecedores.

O rito de solução segue a cartilha nacional: abre-se a CIP, com prazo de 10 a 15 dias para resposta da empresa; se o consumidor não se dá por satisfeito, agenda-se audiência. A orientação é que só se judicialize ao final dessa escada, o que, segundo o PROCON, desafoga o Judiciário e dá respostas mais rápidas. Câmaras privadas de arbitragem, lembra Papa, são vedadas na relação de consumo; quando o caso extrapola a esfera administrativa, o caminho institucional é a Defensoria Pública.

Entre falhas recorrentes atribuídas a fornecedores, o PROCON lista informação insuficiente, multas abusivas e contratos confusos — problemas que, na leitura do órgão, crescem quando o consumidor é idoso, hipervulnerável ou assinou digitalmente sem entender os termos. A receita local combina cobrança de documentos, insistência por propostas e retorno às empresas quando trazem dossiês incompletos. “Estamos aqui para resolver”, sintetiza a gestão.

Três décadas e meia após sua criação, o CDC segue baseando a ação pública em Rio Preto em dois eixos clássicos – informar e equilibrar. O primeiro aparece nas cartilhas, na biblioteca e no atendimento de porta aberta. O segundo, no ato de ir ao balcão, chamar gerente, recompor contratos, recomendar estorno, trocar produtos e punir quando necessário. Entre a geladeira substituída, a cadeira de rodas entregue e o consumidor que tentou agradecer com um saco de lambaris, as histórias revelam não apenas curiosidades: mostram que, quando o Estado se faz presente e a lei é acessível, o direito do consumidor deixa de ser um PDF na parede para virar política pública concreta.

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