Durante os dias de festa e euforia no Country Bulls, um dos maiores rodeios do interior paulista, uma ação inédita do Ministério Público de São Paulo pretende lançar luz sobre um tema urgente: a violência contra a mulher. Em uma articulação conduzida pelos promotores João Santa Terra e Heloísa Gaspar Martins Tavares, a edição deste ano do evento contará com cartazes, vídeos e equipes preparadas para identificar e agir diante de casos de assédio, agressão ou qualquer forma de violação de direitos.
“Essa é a espécie de crime que mais contamina o Judiciário hoje. Os níveis são alarmantes e crescem a cada dia. Não estamos falando apenas de Rio Preto, mas de uma realidade nacional”, afirma Santa Terra, que atua exclusivamente no combate à violência de gênero na cidade e agora integra a campanha no recinto do rodeio, em parceria com a promotora Heloísa Tavares.
A atuação do MP durante o Country Bulls inclui não só presença institucional, mas também a capacitação prévia da equipe de segurança do evento. O objetivo, segundo os promotores, é garantir que qualquer situação de assédio, verbal ou físico, seja prontamente reconhecida e tratada com o devido acolhimento à vítima.
Cultura do respeito
Heloísa Tavares, que há anos lidera ações de enfrentamento à violência doméstica em Rio Preto, afirma que a raiz do problema está na “cultura do estupro”, que naturaliza comportamentos abusivos e culpabiliza a vítima. “O homem precisa entender que o corpo da mulher não é público. O fato de ela usar roupas justas ou dançar não é um cheque em branco. Onde não há consentimento, há crime”, afirma a promotora.
Para ela, é fundamental desconstruir frases como “ela estava pedindo”, “ela deu mole” ou “ela queria”. “Esse tipo de discurso perpetua a violência. Consentimento é claro, explícito. Se a mulher disse ‘não’, a paquera acabou. É preciso respeitar”, reforça.
Além das ações visuais e educativas no recinto, a promotoria firmou compromisso com a organização do evento para manter equipes do MP e da Polícia Civil a postos. “O Rodeio Country Bulls é um evento grandioso, e o Paulo Emílio (organizador do evento) foi extremamente receptivo à proposta. Essa parceria torna a festa mais segura e mais respeitosa”, disse Santa Terra.
O álcool como agravante
Segundo os promotores, muitos dos crimes de violência de gênero têm um fator comum: o consumo excessivo de álcool. “A bebida é um catalisador. Homens acham que porque beberam têm licença para agredir, para tocar, para invadir a privacidade da companheira. Mas a embriaguez não é justificativa — pelo contrário, pode agravar a pena”, alerta Santa Terra.
Ele acrescenta que, em Rio Preto, o entendimento é firme: o consumo de álcool ou drogas em contexto de agressão será levado em consideração para tornar a punição ainda mais severa.
A força da denúncia
Durante o evento, qualquer pessoa que presenciar ou for vítima de abuso poderá buscar ajuda com a equipe de segurança ou nos pontos de apoio jurídico e policial instalados no recinto. “Muitas vezes, testemunhas presenciam uma abordagem grosseira ou um puxão de braço e acham que não devem se meter. Isso acabou. ‘Briga de marido e mulher não se mete a colher’ é uma frase que já foi revogada. Mete-se a colher, sim. Denuncia-se, sim”, diz Tavares.
A promotora também reforça que, mesmo que o ato não configure crime, qualquer tipo de abordagem que gere desconforto pode ser assédio. “Se a mulher se sentiu invadida, já é motivo para pedir ajuda.”
Educação para quebrar o ciclo
A atuação do MP não se limita à repressão. Para os promotores, a prevenção e a conscientização são as únicas formas de, a longo prazo, romper o ciclo da violência. “A gente precisa mudar a cabeça do agressor antes mesmo que ele cometa o crime. É por isso que esse trabalho em eventos de massa é tão importante: ele alcança quem está prestes a errar”, avalia Santa Terra.
O Ministério Público também pretende usar o evento como plataforma para disseminar informações sobre os canais de denúncia, os direitos das vítimas e os riscos legais para quem descumpre a lei.
Paquera é permitida — com respeito
“Homens e mulheres vão ao rodeio para se divertir, paquerar, encontrar pessoas. Isso é natural. Mas tem que haver limite. O não é não. A ausência de consentimento transforma o flerte em crime”, diz Heloísa. Ela reforça que o respeito precisa ser a base de qualquer interação e que as mulheres têm o direito de se vestir, dançar e se comportar como quiserem — sem que isso as exponha à violência.
Para os promotores, a expectativa é que o Country Bulls 2025 sirva como exemplo de como grandes eventos podem — e devem — se comprometer com a segurança das mulheres. “Com apoio da imprensa, dos organizadores e da sociedade, podemos construir uma cultura em que o respeito seja regra, e não exceção”, conclui Santa Terra.
Dicas:
Denúncias de violência contra a mulher podem ser feitas pelo 180 (Central de Atendimento à Mulher)
No recinto do rodeio, procure a equipe de segurança ou o ponto de apoio do Ministério Público
Assédio verbal, contato físico sem consentimento, importunação e agressão física são crimes
