
A Justiça analisa um caso de suposta discriminação religiosa e por orientação sexual praticada no curso de uma ação de guarda, em São José do Rio Preto. A advogada W.R.B. foi denunciada pelo Ministério Público após ter se referido à parte adversa nos autos como “macumbeira” e “praticante das forças malignas ocultas”, além de afirmar que a mulher buscava a guarda do sobrinho apenas para “realizar o sonho materno”, já que sua orientação sexual “dificultaria esse sonho”.
Segundo a denúncia, as expressões foram utilizadas em manifestações processuais protocoladas em fevereiro deste ano na Vara da Infância e Juventude. O Ministério Público entendeu que a conduta extrapolou os limites da imunidade profissional do advogado, pois não tinha pertinência com o objeto da ação e “revelava intenção inequívoca de discriminar”.
A advogada nega ter cometido crime e impetrou habeas corpus (HC) no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), por meio da também advogada J.R.S., alegando que suas manifestações ocorreram no contexto da defesa de seu cliente – o pai do adolescente envolvido na disputa. A defesa sustenta que as falas estão amparadas pela imunidade judiciária prevista no artigo 142, inciso I, do Código Penal, que exclui a tipicidade de ofensas proferidas em juízo durante a discussão da causa.
A relatora do caso, desembargadora Maria Cecília Leone, da 8ª Câmara de Direito Criminal, indeferiu liminarmente o pedido de trancamento da ação penal, destacando que não há, de forma imediata, demonstração de constrangimento ilegal e que o mérito do habeas corpus será analisado pelo colegiado em momento oportuno.
Defesa da vítima repudia atos e aciona órgãos de fiscalização
O advogado criminalista Augusto Mendes Araújo, que representa a vítima, divulgou nota afirmando repúdio total a qualquer ato de discriminação racial, religiosa ou sexual – especialmente quando partem de operadores do Direito.
“A defesa da vítima manifesta, de forma expressa, total repúdio a todo e qualquer ato de discriminação racial, religiosa ou sexual – especialmente quando tais condutas partem de operadores do Direito. Já fomos admitidos como assistente de acusação no processo, e a situação foi devidamente comunicada à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), onde tramita procedimento disciplinar, atualmente sob análise do Comitê Especial sobre Julgamento com Perspectiva de Gênero. Além disso, os fatos já foram encaminhados ao Conselho Municipal Afro desta Comarca e à Secretaria da Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo, a fim de que sejam adotadas todas as medidas cabíveis. Ressalta-se que a gravidade do ocorrido transcende os interesses individuais da vítima, atingindo princípios fundamentais que dizem respeito a toda a sociedade”, afirmou o advogado.
Entenda o caso
De acordo com o habeas corpus apresentado, as expressões consideradas ofensivas foram usadas pela advogada em uma ação de guarda movida contra a tia do menor. O documento argumenta que as palavras apenas “reproduziam o medo manifestado pelo adolescente em relação às práticas religiosas da tia” e que a referência à sua orientação sexual “tinha a finalidade de apontar possível motivação na disputa pela guarda”.
O Ministério Público, entretanto, entendeu que as manifestações configuram discurso discriminatório e violam o artigo 20 da Lei 7.716/1989, que trata dos crimes de racismo, inclusive em sua forma ampliada, reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2019, para incluir condutas homofóbicas e transfóbicas.
A defesa de W.R.B. também alegou que a decisão do STF teria extrapolado os limites constitucionais ao “legislar” sobre o tema, o que, segundo o habeas corpus, violaria o princípio da legalidade penal – argumento que será examinado pelo Tribunal no julgamento do mérito.
O caso segue em tramitação na 4ª Vara Criminal de São José do Rio Preto, e o Ministério Público será ouvido antes do julgamento do habeas corpus no TJ-SP.
