
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) manteve, por decisão unânime, a condenação da Fundação Faculdade Regional de Medicina de São José do Rio Preto (Funfarme), mantenedora do Hospital de Base (HB), por erro médico em um atendimento obstétrico. A sentença determina o pagamento de R$ 35 mil por danos morais a uma paciente que sofreu fraturas em três costelas após um parto cesáreo realizado na unidade.
Relator do caso, o desembargador Cesar Mecchi Morales destacou que ficou comprovada negligência no atendimento prestado à paciente, que, mesmo relatando fortes dores no período pós-operatório, não recebeu os exames adequados para identificar a origem do problema. O laudo pericial confirmou que houve omissão na realização de exames de imagem, como raio-x, que poderiam ter detectado precocemente as fraturas.
O documento também apontou como provável causa das lesões a realização da Manobra de Kristeller — técnica obstétrica em que se faz pressão sobre o útero da parturiente para acelerar o parto. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde do Brasil, essa prática é considerada violência obstétrica, sem respaldo científico quanto à sua eficácia e com alto risco de complicações para mãe e bebê.
Negligência e dor prolongada
De acordo com os autos, após a cirurgia cesárea, a paciente começou a sentir dores intensas no tórax, que foram tratadas apenas com analgésicos. O corpo clínico da unidade não solicitou exames, mesmo com as constantes queixas da mulher, que recebeu alta e precisou procurar outro hospital, onde recebeu o diagnóstico de duas costelas fraturadas e uma trincada.
O perito judicial foi categórico ao afirmar que, além de não realizar os exames indicados, houve descumprimento dos protocolos médicos recomendados para o manejo de dor torácica no pós-operatório. “Uma fratura de arco costal, se não for adequadamente diagnosticada, pode levar ao óbito devido às possíveis complicações”, descreve o laudo anexado ao processo.
Ainda segundo a perícia, a paciente ficou incapacitada para atividades cotidianas por ao menos quatro meses após o parto e segue apresentando limitações físicas decorrentes do episódio.
Defesa
Na apelação, a Funfarme alegou que não houve erro médico e que os sintomas poderiam ser tratados apenas com analgésicos, minimizando a necessidade de exames. A instituição também tentou reduzir o valor da indenização, alegando que não havia nexo de causalidade direto entre o procedimento realizado e as fraturas constatadas.
Os argumentos, no entanto, foram rechaçados pela 6ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, que considerou robusto o conjunto probatório, especialmente o laudo técnico, chamado na decisão de “rainha das provas” em casos de erro médico.
“O hospital não logrou êxito em desqualificar o laudo pericial, que permaneceu inabalado”, afirmou o desembargador Cesar Mecchi Morales em seu voto.
Valor mantido
A paciente também havia recorrido para tentar aumentar o valor da indenização, pleiteando R$ 50 mil. O tribunal, no entanto, manteve os R$ 35 mil fixados em primeira instância, considerando o montante razoável e proporcional à jurisprudência adotada em casos semelhantes.
Além da indenização, a Funfarme foi condenada a arcar com as custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 12% sobre o valor da condenação.
Caso emblemático
A decisão reacende o debate sobre a utilização de práticas obstétricas ultrapassadas e os desafios enfrentados por mulheres no acesso a um parto seguro e respeitoso. O Tribunal destaca no acórdão que a Manobra de Kristeller, além de não ter respaldo científico, pode gerar diversas complicações, como fraturas, lacerações, hemorragias, disfunções pélvicas e, em casos extremos, até risco de morte.
O caso também reforça o entendimento da Corte de que os hospitais, ainda que sejam responsáveis objetivos pela prestação de serviço, dependem da demonstração de falha específica no atendimento médico para serem condenados, o que, neste processo, ficou amplamente comprovado.
A Funfarme não comentou o caso até a publicação desta reportagem.