
Um laudo complementar elaborado pelo Instituto de Criminalística de São Paulo, solicitado pela Delegacia Seccional de São José do Rio Preto, concluiu que a palavra proferida pelo vice-prefeito da cidade durante um episódio investigado por suposta injúria racial não tem características fonéticas que indiquem ofensa de cunho racista. A investigação, no entanto, segue em andamento.
O documento foi assinado pela perita criminal Tatiana de Souza Machado, que realizou uma análise fonético-forense detalhada de um vídeo gravado durante uma partida de futebol em Mirassol, no interior paulista, onde o episódio ocorreu no dia 23 de fevereiro deste ano.
A perícia se debruçou sobre o trecho em que o vice-prefeito, filmado nas arquibancadas, teria proferido uma expressão que, segundo a denúncia, seria racista. A análise técnica, entretanto, reforçou o entendimento anterior de que o termo gritado foi “[ˈpakɐ] véa”, que, segundo a transcrição fonética, não corresponde ao termo discriminatório cogitado na denúncia.
O laudo também respondeu a questionamentos da defesa e da autoridade policial sobre se seria possível que a palavra possuísse três sílabas, como na palavra “macaco”, o que foi descartado pela análise técnica. Segundo a perícia, a estrutura fonética do áudio aponta para um vocábulo de duas sílabas, com fechamento em vogal aberta e não nasalizada — reforçando a hipótese de que a palavra dita foi “paca véia” ou algo foneticamente equivalente.
O laudo também esclarece que foram utilizados filtros de isolamento de ruído, análise espectrográfica e softwares especializados, como o Praat, além de recursos como o Adobe Audition e Ocenaudio, para garantir a precisão dos exames.
De acordo com o documento, “gravações que contenham legendas ou títulos sugestivos, como o exemplo da legenda “macaco velho” constantes nos vídeos encaminhados para a perícia, constituem risco elevado para viés perceptivo”. “O material linguístico exibido visualmente pode atuar como gatilho cognitivo para a escuta top-down, predispondo o ouvinte a identificar palavras ou expressões que, do ponto de vista fonético-acústico, não se sustentam”, consta em trecho do laudo.
A investigação criminal é conduzida pelo delegado Renato Gomes Machado, da Delegacia Seccional de Rio Preto, que requisitou a perícia. Apesar do resultado, ele informou que o inquérito ainda não foi concluído e que outras diligências estão sendo realizadas antes do relatório final.
Em nota anterior, o vice-prefeito negou qualquer conduta discriminatória e alegou que as imagens foram usadas fora de contexto, afirmando que jamais proferiu qualquer ofensa de cunho racial.
Contexto
O episódio que gerou a investigação ocorreu durante uma partida válida pelo Campeonato Paulista, quando torcedores registraram o vice-prefeito em uma discussão na arquibancada. A legenda que circulou nas redes sociais — incluída na edição de um vídeo — sugeria que ele teria feito um insulto racista, o que deu origem ao boletim de ocorrência e ao inquérito.
O laudo pericial, no entanto, alerta que legendas aplicadas em vídeos podem induzir à interpretação equivocada dos fatos, especialmente quando não condizem com a análise técnica dos áudios.
O caso ganhou ampla repercussão política em Rio Preto, especialmente por envolver uma figura de primeiro escalão do governo municipal. Apesar disso, o prefeito e aliados próximos do vice-prefeito têm reforçado publicamente a defesa de que o episódio foi um mal-entendido, embora opositores critiquem a postura e cobrem apuração rigorosa.
Ao ser questionada pela reportagem, a Secretaria de Segurança Pública informou que o processo segue em segredo de Justiça até a conclusão do inquérito.
Se o Ministério Público entender que não há elementos suficientes para configurar injúria racial, o caso poderá ser arquivado. Caso contrário, a denúncia poderá ser formalizada na Justiça.
Em nota, o advogado de Marcondes, Edlênio Xavier Barreto, afirmou o seguinte: “Em relação ao teor do laudo complementar que vem sendo divulgado pela imprensa, a defesa de Fábio Marcondes informa que ainda não teve acesso oficial ao referido documento”. “Independentemente do conteúdo que vem sendo veiculado publicamente, a defesa, mantendo a coerência e o respeito ao devido processo legal, informa que se manifestará de forma formal, técnica e detalhada nos autos, no momento oportuno. Por fim, reitera-se que Fábio Marcondes já prestou seus esclarecimentos às autoridades competentes, apresentou sua versão dos fatos e negou, de forma categórica, a utilização de qualquer expressão de cunho racial dirigida ao segurança da delegação da equipe do Palmeiras.”